No Tapajós, complexo de hidrelétricas ameaça
indígenas e ribeirinhos | ||||
Depois de Belo Monte, Governo Federal concentra esforços para licenciar cinco usinas na Amazônia, plano que deve afetar área rica em biodiversidade. | ||||
Por Daniel Santini - Agência de Notícias Repórter Brasil
Após a Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, o próximo megaprojeto de
engenharia do Governo Federal na Amazônia é o Complexo Tapajós,
um conjunto de cinco usinas hidrelétricas que, se concretizado, deve
alterar completamente a bacia do Rio Tapajós, afetando pelo menos
1.979 quilômetros quadrados (197.200 hectares), uma área maior do
que a da cidade de São Paulo. Alguns dos trechos que devem ser
alagados não só concentram populações ribeirinhas e indígenas como
também são ricos em biodiversidade e belezas naturais. O impacto
estimado é o que vem sendo divulgado pelas Centrais Elétricas
Brasileiras (Eletrobrás), empresa de capital aberto controlada pelo Governo que está à frente do projeto. Mas pode ser
maior, considerando o delicado equilíbrio de cheias nos regimes de seca e chuva que predominam na região norte
do Brasil.
A Repórter Brasil* percorreu de ponta a ponta o Parque Nacional da Amazônia, unidade de conservação que pode
afundar se os planos do governo forem levados adiante, navegou por trechos em que o Rio Tapajós deve ser alterado
e visitou os municípios de Jacareacanga, Itaituba e Santarém, onde moradores locais têm manifestado receio em relação
às mudanças em curso. A principal usina prevista no complexo é a de São Luiz do Tapajós, barragem planejada entre
os municípios de Jacareacanga e Itaituba, que por si só, deve alagar 722,25 quilômetros quadrados. É mais do que
os 510 quilômetros quadrados de área alagada pela Usina de Belo Monte. Se concluída, São Luiz do Tapajós terá
capacidade, segundo a Eletrobrás, de gerar 6.133 megawatts (MW), tornando-se a quarta principal usina do país,
atrás apenas de Itaipu, Belo Monte e Tucuruí.
Biodiversidade no Parque Nacional da Amazônia
Perto da base escolhida para a instalação da barragem, existe um fluxo constante de pescadores, ribeirinhos e famílias
inteiras de índios Mundurukus subindo e descendo o rio em barcos de rabeta, de motor de popa e em rápidas voadeiras,
muitos protegidos do sol forte com sombrinhas e chapéu de palha. A água do Tapajós é transparente, bastante diferente
do marrom barroso da maioria dos rios da Amazônia, e sua cor varia entre verde claro e azul. É possível ver os peixes de
longe e as garças voam atentas, arriscando mergulhos de tempos em tempos. Nas margens, além de faixas continuas de
floresta preservada, é possível avistar centenas de praias de areia clara fininha, intercaladas por pequenas aldeias e
vilarejos espalhados. Dá para ouvir gritos de animais e cantos de pássaros constantemente.
Dentro do Parque Nacional da Amazônia, é fácil ver macacos, antas, cotias e onças no trecho em que é cortado pela
Rodovia Transamazônica, a BR-230. A própria estrada pode ficar embaixo d´água se os planos do governo forem
seguidos. Nos igarapés que cortam a mata, é possível avistar jacarés. O impacto estimado da usina seria tamanho que,
em julho, a chefe da unidade administrada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), fez críticas públicas
ao projeto em entrevista ao jornal Valor, lembrando que foram catalogadas na região centenas de espécies de aves,
peixes e animais em extinção.
Mobilização
Não só nas áreas que devem ser alagadas o clima é de preocupação. Em diversos outros pontos do rio é fácil encontrar
ribeirinhos inquietos. “Nós estamos abaixo de onde deve ser a barragem, mas se o rio secar, se o regime de cheias for
alterado, também seremos prejudicados”, avalia Pedro da Gama Pantoja, de 61 anos que há 37 vive com a esposa
Conceição na comunidade de Jamaraqua, dentro da Floresta Nacional Tapajós.
Trata-se de uma reserva composta por mata preservada e vilas de ribeirinhos, localizada entre o futuro canteiro de obras
e a comunidade de Alter do Chão, destino turístico que atrai milhares de pessoas todos os anos. “Vivemos da pesca, do
turismo e do extrativismo. Se alterarem o regime de cheias, como vão ficar as praias? E os peixes? Não queremos esta
usina”.
“Não vamos ficar quietos, não vamos aceitar que as usinas sejam impostas como Belo Monte foi”, avisa o padre Edilberto
Moura Sena, coordenador da Rádio Rural, emissora que transmite informações para toda a região. A partir de Santarém,
ele mantém contatos regulares com representantes das comunidades afetadas ao longo de todo o rio e integra o
Movimento Tapajós Vivo, um dos principais espaços de resistência ao complexo. “Os Munduruku são um povo guerreiro
e não vão aceitar ‘espelhinhos’ em troca das terras em que sempre viveram”.
Recentemente, representantes da Aldeia Munduruku Sauré impediram que técnicos das empresas realizassem estudos
nas suas terras. O episódio fez com que a Fundação Nacional do Índio (Funai) marcasse uma reunião e, no último dia 17,
tentasse intermediar a questão. Frente à recusa dos indígenas de colaborar sem mais informações sobre os projetos,
a representante da Funai Martha Medeiros teria ameaçado acionar a Força Nacional, segundo informou Mel Mendes,
integrante do Movimento Tapajós Vivo, em entrevista à Rádio Rural. Ela esteve presente no encontro.
Além do Movimento Tapajós Vivo, outras frentes de resistência se formam. Em 20 e 21 de outubro, representantes de
diferentes vilarejos da região se reuniram na Comunidade Pimentel com apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da organização não-governamental Terra de Direitos para debater os
impactos do complexo.
Na Justiça
Mesmo com as críticas e alertas de ambientalistas, o trabalho de licenciamento da Usina São Luiz do Tapajós já começou.
O Governo Federal pretende realizar o leilão para a construção em 2013, mas, para isso, precisa que todos os estudos
sobre impactos socioambientais estejam concluídos. Para viabilizar o complexo, o Planalto conseguiu aprovar Medida
Provisória 558/2012, que altera o limite de oito unidades de conservação que seriam afetadas pelo projeto. A iniciativa
foi questionada pelo Ministério Público Federal em Brasília, que impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
Não é a única confusão jurídica em curso. Como indígenas e ribeirinhos que serão afetados pela obra não foram
informados e consultados, o Ministério Público Federal entrou com uma Ação Civil Pública em 25 de setembro pedindo
liminar para que o processo de licenciamento seja imediatamente interrompido. Leia a íntegra da ação.
Juntas, as cinco usinas poderiam gerar 10.682 MW; o potencial energético do conjunto e a necessidade de garantir
abastecimento na próxima década são os principais argumentos do Governo Federal. Por enquanto, apenas a Usina
São Luiz do Tapajós e Jatobá constam entre os projetos do Plano de Aceleração de Crescimento. A primeira tem custo
previsto de mais de R$ 18,1 bilhões, dos quais R$ 3,6 bilhões a serem gastos entre 2011 e 2014. A segunda, de R$ 5,1
bilhões, dos quais R$ 1 bilhão a ser gasto entre 2011 e 2014.
Para minimizar os impactos ambiental e social das obras as empreiteiras prometem organizar canteiros-plataformas,
com empregados se revezando no local, tal qual em plataformas de petróleo em alto mar, sem a constituição de núcleos
urbanos. O diretor de engenharia da Eletrobrás, Valter Cardeal, chegou a falar em usinas “sustentáveis” ao defender o
projeto este ano durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
* Esta reportagem é parte da Expedição Cicloamazônia, projeto de Daniel Santini, Marcelo Assumpção e Valdinei Calvento, apoiado pela Repórter Brasil. Saiba mais em cicloamazônia.org |
sábado, 10 de novembro de 2012
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